A nossa sincera homenagem à família Malangatana Ngwenya.
Gelita Cinquenta Mhangwana (1934 – 2020)
Gelita “Cinquenta” Mhangwana, filha de Fafitine Mhangwana e de Mayawana Tembe, nasceu em 1934, na Província de Maputo, zona de Barhica, Moamba. Ainda com tenra idade, muda-se com sua mãe para a zona de Mbulaze, distrito de Marracuene, onde sua mãe viria a trabalhar nas machambas comerciais. Nessa época a mãe, Mayawana Tembe, junta-se ao segundo marido e passam a residir na zona de Mapulene, Matalana.
É em Matalana que inicia a sua escolaridade que não foi para além da 2ºclasse rudimentar por ter fugido da escola, após castigo bastante violento que a deixou gravemente lesionada e aterrorizada, indo começar a trabalhar; nas machambas comerciais de Marracuene, na construção da EN-1, como xibalo, e nas machambas familiares da vizinhança. Mais tarde, vai trabalhar para Maputo, como babá e empregada doméstica, tendo pouco depois desistido da vida da cidade para ir ajudar a mãe a criar os seus dois irmãos mais novos, conciliando com trabalho sazonal na agricultura.
Numa dessas machambas familiares em que trabalha em regime temporário, pertencente a Manguiza Ngwenya, este observa-a e sugere a seu filho Malangatana Valente Ngwenya, que a namore por ser uma miúda batalhadora,
Assim, a 8 de Dezembro de 1956, Gelita e Malangatana, contraem matrimónio civil na Vila de Marracuene.
No ano seguinte nasce o seu primeiro filho, Mutxhini e só quando em 1961 nasce a Hehlise e Malangatana já vivesse na cidade de Maputo, a família se sedentariza na mesma urbe, onde, nessa altura, Malangatana já pintava no Núcleo de Arte.
A sua terceira filha, Cecília, em 1963, ocorre num período em que Malangatana está em crescente engajamento e envolvimento na actividade política e na clandestinidade, que resultou na sua prisão pela PIDE, o que levou com que Gelita tivesse que assumir, para além da anterior responsabilidade, de conservação dos trabalhos do marido, passando ao tratamento das telas, contrabando do papel e outros matérias que Malangatana utilizava dentro da prisão, que resultou naquilo que viria a ser um dos momentos mais marcantes da obra do Mestre Malangatana. Os desenhos da prisão são hoje uma obra-prima para a qual a determinação da “menina batalhadora” largamente contribuiu.
O seu filho mais novo, Manguiza, nasce só de Setembro de 1970
Gelita desempenhou um papel preponderante na preservação da obra de Malangatana desde os primórdios do seu matrimónio até a data da sua morte.
Sua análise crítica do meio em que vivia, de muitas formas ajudou o Mestre de dele ter uma diferente e mais profunda percepção e uma intuição cada vez mais perspicaz, tendo esse seu grande amor por este ter, duma forma muita acentuada, determinado a narrativa mulher, na obra de Malangatana. Gelita é, nas obras de Malangatana, retratada em dezenas, se não em centenas, de retratos homenagem, com uma beleza impar, que neste capítulo, amor/mulher, influenciaram e muito enriqueceram o elemento estético de Malangatana.
Seu contributo não se restringiu à obra artística de Malangatana, como também ao acervo documental sua preservação física incluindo do contributo fotográfico de amigos e familiares, documentos pessoais que hoje espelham não só um Mestre mas a sua convivência, os rabisco que nunca foram para o lixo tanto em papel, cadernos, agendas, jornais esboçados na mesa de comer, cartas de amor escritas para si, das inúmeras viagens por ele realizadas.
Além dos quatro filhos, Gelita Mhangwana deixa seis netos e seis bisnetos. A sua última neta, a Sara, somente a viu uma única vez, não por culpa do tempo, que não foi justo, mas duma pandemia que ainda tentava perceber pois, mesmo com sua longa experiência de vida, jamais vira alguma tão complexa.
Gelita apanhou a última carruagem do comboio das 19:45, do dia 10 de maio, e como se fechando sua vida como soneto iniciado em camões, recolhe aos seus últimos aposentos a 13 de maio, partindo da rua 13 de maio…